quinta-feira, outubro 13, 2011

O ator e o outro (um novo Lambe-Lambe, de Elisa Lucinda)


Nessas andanças da vida, resolvi complementar minha formação acadêmica com um latu sensu em Arte e Cultura, na Universidade Cândido Mendes, cujo prédio de Humanidades se localiza no Centro do Rio de Janeiro. Como, atualmente, resido em Cachoeiro de Itapemirim, necessito me locomover todos os fins de semana para a cidade maravilhosa em pequenas-longas viagens de seis horas numa poltrona de ônibus da Viação Itapemirim. Nos embarques e desembarques, me chama atenção as multidões que vão de uma cidade para a outra constantemente, num ciclo transitório brasileiro sem fim, como se as estradas fossem grandes veias por onde passam pulsos e impulsos sanguíneos intermináveis. A vida se dá na constância dos abraços de chegada e partida, nas malas carregadas, nas pausas em lanchonetes e nos descansos inevitáveis enquanto o próximo embarque não chega. E eu ali, no meio disso tudo. Como o trabalho do ator tem como matéria prima o outro e a prática da observação é ferramenta fundamental, exerço meu ofício sem que ninguém perceba, longe de qualquer interferência.


Passam muitas pessoas pelo saguão... da rodoviária
Aquelas que embarcam comigo entram impecáveis e desembarcam maltrapilhas, olhos cerrados, cabelos buscando o céu, roupas desalinhadas, após uma madrugada de sono e esquecimento na escuridão particular parcamente iluminada por uma cidadezinha ou outra pela qual passamos no percurso. Ao chegarmos ao destino pretendido, vejo um ônibus chegar após inúmeras horas de estrada, saído de alguma cidadezinha do interior desse Nordeste de meu Deus. Aqueles homens e mulheres não são como Euclides da Cunha chega a caracterizá-los, “neurastênicos”, mas de traços fortes, diferentes dos daqui mais ao sul. Riem, olham sérios para a pessoa ao lado, para a bagagem e para o nada. Os pés se movimentam para cima e para baixo freneticamente a espera da bagagem a ser retirada do veículo. Retiro-me em direção a praça de alimentação, sem saber do final dessa cena. Ricos, negros, gays, deficientes, suspeitos e excitantes, todos observam e são observados. Tomo ciência de que o flâneur ali não sou só eu, mas somos todos naquele espaço às cinco e meia da manhã. Tomo meu café e vejo o trio de chineses, japoneses, coreanos (minha ignorância oriental não me permite distinguir) conversarem animados, planejando, talvez, o passeio pela cidade que vão desbravar, tão famosa pelas fotos e imagens que por aí circulam. Seus sorrisos expressam ansiedade e felicidade, assim como o do casal de amantes ao meu lado, pensando na noite que tiveram de amor e desejo e nas que terão após a próxima partida de uma viação qualquer. Pego meu livro “O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969” (recomendo!) e leio, mas meus olhos nervosos, entre uma “ação física” e outra, se distraem com diferentes bocejos, caminhadas onde pé ante pé se divergem de pessoa para pessoa, olhadas para o lado, espirros, gargalhadas e outras ações cotidianas acontecem. Paro e olho. Aprecio. Volto à leitura e percebo que o que se lê se faz exemplificado a minha frente. Se deixar, realizo a mimese corpórea ali mesmo. No átimo impensado, minha coluna se curva como o daquela mulher gorda que engole sua coxinha de catupiry inteira, meus pés batem como os daquele senhor no desembarque mais cedo, meus olhos cerram ao sono incontrolável como os do passageiro que sentou ao meu lado no ônibus. Presto atenção em mim, olho para o relógio e vejo que já é hora de ir para a faculdade, estudar. O dia pede passagem e sei que nele não me faltará matéria para observar, apreciar, ver e seguir meu caminho até a hora do retorno, de volta para Cachoeiro, onde o exercício da observação acontecerá outra vez e as imagens se acumularão em mim.
por: Luiz Carlos Cardoso
luizjr3@gmail.com